Trindade na linha do tempo

É tradição dizer que o município de Trindade – Goiás nasceu a partir do encontro entre a fé e a devoção, o que não deixa de ser verdade. Característica muito particular do município, a crença no Divino Pai Eterno fez com que se estruturasse na região o que se conhece hoje como a Capital da Fé dos goianos. A história, porém, relata peculiaridades e curiosidades, que marcaram esse desenvolvimento e que certamente devem ser lembradas.

Com a decadência do ciclo do ouro em Goiás, no início do século XIX, diversas pessoas ligadas ao setor acabaram se voltando para outros meios de sobrevivência. A agricultura e a pecuária naquele momento passaram a ser a saída para muitos (JACÓB, 2000, p.47). Nesse contexto, a região, incluindo onde atualmente se localiza o município, passou a ter certa importância socioeconômica para o Estado – geograficamente Trindade fazia parte do Distrito de Santa Cruz, criado em 1776. O território abrangia todo o Sul de Goiás.

Em 1810, o alferes Joaquim Gomes da Silva instalou a sede de sua fazenda naquele distrito, onde surgiu o povoado de Campininha das Flores —hoje, um bairro de Goiânia — (JACÓB, 2000, p. 48). Acredita-se que por volta de 1830[1] o casal mineiro de agricultores Constantino Xavier e Ana Rosa tenham se mudado para uma região próxima onde existia um córrego de água salobra e barro escuro em suas margens. Foi no Córrego do Barro Preto, cerca de dez anos depois, que toda história de fé se iniciou. Como conta a tradição, os agricultores encontraram um medalhão com a imagem da Santíssima Trindade coroando a Virgem Maria. A partir daí, famílias de amigos e vizinhos começaram a se reunir para rezar o terço em louvor ao Divino Pai Eterno.

Saiba Mais: Por alguns anos, a devoção é praticada naquele ambiente familiar. Contudo, a cada dia, cresce o número de devotos e o generoso lar se torna pequeno para acolher os visitantes, com o crescimento da devoção, Constantino e Ana Rosa perceberam que aquele medalhão não era propriedade deles. Era uma graça do Pai Eterno e deveria ser partilhada com todos. Foi assim que por volta de 1848, eles decidiram construir uma pequena capela, coberta de folhas de buriti, para que o público tivesse acesso permanente à relíquia. Era crescente o número de pessoas que vinham de todas as partes, pedindo e agradecendo as graças que o Divino Pai Eterno lhes concedia (GOMES, 2005, p. 15).

[1] A data em que Constantino migrou-se para o vale do Barro Preto é desconhecida. Há quem afirme como no periódico “Santuário de Trindade”, ano III, nº 65 de 01/07/1924 que foi pelos idos de 1930, mas documentalmente nada se encontrou (JACÓB, 2000, p. 49).

Imagem do Divino Pai Eterno é restaurada

Tamanha foi a procura pela imagem, que Constantino Xavier sentiu logo a necessidade de retocá-la. Além disso, uma capela havia sido construída em louvor ao Divino Pai Eterno e essa seria uma forma de valorizar ainda mais o achado. Para isso, contou com o apoio de outros dois entusiastas da ideia: Joaquim Vieira e Antônio Vieira da Cunha. A restauração da imagem ficou por conta do renomado artista José Joaquim Veiga Valle que residia na época em Pirenópolis – Veiga Valle achou por bem confeccionar uma réplica maior da Santíssima Trindade, esculpida em madeira.

O crescente número de fiéis aliado à ausência de um representante da Igreja Católica, porém, não agradou nada Dom Eduardo Silva, bispo de Goiás, conforme relata padre Antonio Gomes C.Ss.R. em seu livro O Divino Pai Eterno e o Santuário de Trindade. Em 1891, em visita ao Distrito de Barro Preto (Trindade), o bispo notou má fé e exploração dos membros da Comissão ou Irmandade do Santuário, exigindo então que prestassem contas. Depois de comprovado gastos indevidos, D. Eduardo extinguiu a comissão formada, nomeando como administrador do que hoje é a Matriz de Trindade, padre Francisco Inácio de Sousa (GOMES, 2005, p. 21).

Quatro anos depois, padres redentoristas vindos da Alemanha, e que haviam fixado residência em Campinas, foram ao povoado para organizar a romaria que se aproximava . Números da Igreja mostram que naquele ano (1895) houve 600 comunhões, 30 casamentos e 80 batizados, o que comprovou a necessidade de organização e crescente devoção pelos milagres do Santíssimo. A paz, porém, não durou muito tempo. Em 1897, um conflito entre fazendeiros, encabeçado pelo coronel Anacleto Gonçalves, foi o ponto de partida para o que culminou na saída dos padres do arraial em 1900. Nesse período, todos os trabalhos religiosos foram delegados a Campinas.

[2] Os redentoristas que vieram para Goiás eram originários da Baviera, na Alemanha. O primeiro grupo era formado por três sacerdotes, quatro irmãos e um diácono. Eles chegaram a região, em 12 de dezembro de 1894, dia de Nossa Senhora de Guadalupe, por volta do meio-dia e debaixo de chuva forte, depois de terem feito percurso a cavalo, desde Uberaba, MG. (GOMES, 2005, p. 19).

Em 1901, Dom Eduardo determinou a transferência da romaria do Barro Preto para Campininhas. Naquele mesmo ano, a Festa passou do primeiro domingo de julho, para o dia 15 de agosto, permitindo, assim, que a data coincidisse com a inauguração da Igreja Matriz de Campinas. Praticamente só os fiéis da Paróquia Nossa Senhora da Conceição participaram da Festa. A maior parte do povo e as autoridades civis e eclesiásticas não viram com bons olhos a mudança proposta por Dom Eduardo (GOMES, 2005, p. 22).

As dificuldades enfrentadas nas romarias que se sucederam sem a presença dos religiosos fizeram com que os fiéis percebessem a necessidade da presença da Igreja. Com o pedido de perdão dos revoltosos e a garantia de que tudo seguiria de forma ordeira, o bispo de Goiás voltou em 1904 a realizar o evento com a presença dos redentoristas em Trindade. Ligado diretamente a Campinas, que é elevada à categoria de município em 1907, o arraial de Barro Preto – por força da Lei Municipal nº 5, de 12 de março de 1909 – passa a se chamar Trindade. Somente em 1927, por meio da Lei Estadual nº 825, de 20 de junho, sua sede é elevada à categoria de Cidade³.

[3] Informação obtida na revista institucional Trindade, Caminho da Fé e do Desenvolvimento publicada fevereiro de 2004, p.15.

Pedra Fundamental

Em 1943, o arcebispo de Goiás Dom Emanuel Gomes de Oliveira, lançou como comemoração do centenário da romaria a pedra fundamental do que atualmente é o Santuário Basílica do Divino Pai Eterno. As obras, no entanto, demoraram significativamente para ficarem prontas, possibilitando a celebração de novenas só a partir de 1974, conforme relata a revista institucional Trindade Caminho da Fé e do Desenvolvimento, publicada em fevereiro de 2004 (p.15). Nesses mais de 100 anos de romaria em louvor e devoção ao Divino Pai Eterno, muitos eventos colaboraram para o desenvolvimento do município, que aos poucos foi tomando forma e se consolidando no cenário goiano.

Um fato que marcou a década de 1950 foi a criação da Vila São José Bento Cottolengo. Denominado inicialmente de Pequeno Cottolengo, o local, idealizado pelo Pe. Redentorista Gabriel Campos Vilela, abrigava pobres e doentes que viviam nas ruas sobrevivendo, quase sempre, em situação de mendicância. Enfrentando grandes dificuldades em dar andamento aos trabalhos, os padres redentoristas, responsáveis pela direção da instituição até 1957, pediram apoio às Irmãs Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, da Província de Belo Horizonte (MG). Desde então, a instituição vem sendo dirigida por elas e pelos padres.

Saiba Mais: A cada ano, as celebrações ao Divino Pai Eterno ganham inovações e, pouco a pouco, vão sendo mais organizadas e participativas. A Romaria dos Carreiros tem conquistado o gosto das pessoas que visitam o Santuário, seja no período da Festa seja em outras épocas do ano. Os romeiros de diversas partes de Goiás a organizam por um longo espaço de tempo. Preparam seus carros, sua bagagem e fazem suas economias, a fim de estarem presentes nesse grande evento. Nos últimos anos, tem acontecido também, o Festival de Carro de Boi, com destaque para a participação de algumas cidades: Mossâmedes, Americano do Brasil, Anicuns, Itaberaí, Inhumas, Petrolina, Nova Veneza, Ouro Verde, entre outras.(GOMES, 2005, p. 64).

O desfile anual dos carreiros está diretamente ligado a tradição e a fé no Divino Pai Eterno. Tímido no início (1988), o evento reúne atualmente cerca de 300 carros-de-boi e 2.000 cavaleiros e muladeiros. Devido a este crescimento significativo, a prefeitura construiu anexo ao Parque Municipal o Carreiródromo Ada Cira capaz de receber com conforto e mais comodidade tanto os que participam diretamente do encontro quanto aos que assistem à apresentação. Em 2009, segundo estimativas da polícia militar e corpo de bombeiros, cerca de 150 pessoas passaram pelo evento.

Além de reunir centenas de carros-de-boi, o desfile premia os mais chamativos, o que motiva carreiros e familiares a dar uma atenção especial aos veículos e animais que o tracionam. Como grande parte desses carreiros vem de outras cidades do Estado, a prefeitura sede a eles local para pouso com água, energia e sanitários além de pasto para acomodar os bois 5. Porém, grande parte deles se acomoda em casas de amigos, parentes ou mesmo alugam casas no município para este período específico.

Romaria e turismo

A partir da elevação do Santuário Novo à Basílica Menor dedicada ao Divino Pai Eterno em 4 de abril de 2006, o cenário turístico-religioso mudou significativamente em Trindade. Atenta a essas transformações, a sociedade organizada encabeçada pela Igreja e contando com o respaldo do Sebrae-GO e governos estadual e municipal desenvolveu o Plano Estratégico de Turismo Religioso. O objetivo desse documento é, nos próximos dez anos, impulsionar o crescimento do município principalmente na área de infraestrutura de forma a atender bem tanto a comunidade local quanto aos romeiros do Pai Eterno. Há também previsão de grandes investimentos na rede hoteleira e de restaurantes, lazer e entretenimento.

Trindade, que tem hoje, segundo dados mais recentes do IBGE (2007), 97.491 mil habitantes, chega a receber só no período da romaria cerca de 2 milhões de fiéis. O evento religioso que ocorreu em 2009, de 26 de junho a 5 de julho, é o maior do Centro-Oeste brasileiro e o único que possui uma basílica dedicada ao Divino Pai Eterno. Na comemoração religiosa de 2009 foram realizadas ao todo 11 procissões, mais de 100 missas e 46 novenas, além de centenas de confissões e batizados.

Desenvolvimento econômico e social

Atualmente terceiro lugar no ranking dos pólos confeccionistas do Estado, Trindade, que fica a 18 km da Capital, teve seu setor econômico impulsionado a partir de 1980. Isso se deu com o surgimento de indústrias locais e investimentos de recursos internos de alguns empresários.

O segmento de confecção constitui um ponto forte da economia, pois emprega cerca de cinco mil trabalhadores em 200 empresas, sendo responsável por 20% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) municipal. Segundo estudo de 2008 do SEBRAE-GO – Mapeamento das Aglomerações Produtivas Especializadas de Goiás – Identificação e Caracterização de Arranjos Produtivos Local (APL) Potenciais do Estado, o município de Trindade, juntamente com Goiânia e Aparecida de Goiânia faz parte do APL da Indústria de Confecções da Região de Goiânia.

Esse estudo constata que a indústria de confecções no APL da região de Goiânia concentra 68% dos empregos do Estado no segmento. Entre 1998 e 2001 o crescimento do número de empregos na atividade de confecção no APL cresceu 47%, mais do que a média do país – no pólo confeccionista de Trindade cerca de 80% das empresas são de micro e pequeno porte (SEPLAN – Ranking dos Municípios Goianos, 2005, p. 79 e 80).

Nessa mesma década, segundo o Ranking dos Municípios Goianos 2005 a cidade recebeu duas fábricas de renome produtoras de bebidas — a Refrigerante Imperial em 1997 e a Refrescos Bandeirantes Indústria e Comércio (fabricante da Coca-Cola). A Refrigerantes Imperial é a segunda maior contribuinte de ICMS no município e a Rebic detém 75% do mercado de refrigerante de cola da região gerando cerca de 1200 empregos diretos e 300 indiretos. A posição estratégica da cidade foi um dos grandes atrativos por ter fácil acesso a grandes centros consumidores como Goiânia, Mato Grosso, Brasília e Tocantins.

Com a chegada de grandes empresas como Casas Bahia, Fujioka e Rede Eletrosom a economia local ganhou novo fôlego, com a geração de mais empregos e renda. A instalação do distrito industrial, previsto no Plano Diretor Democrático de 2008, também tem sido motivo de grande expectativa já que promete atrair para o município indústria de médio e grande porte. Conforme site institucional do Governo Municipal.

Saiba Mais: A presença de indústrias em Trindade vai estimular a cadeia produtiva do município, consequentemente, aumentando a renda das famílias de Trindade. O funcionário do Distrito Industrial que antes ia até Goiânia consumir, por exemplo, vai agora ficar em Trindade. As fábricas também buscarão as matérias primas, fazendo com que o capital fique dentro do município, propiciando uma maior qualidade de vida para os moradores.